quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

" A metade de mim..."








Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que triste;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

(Oswaldo Montenegro)


Fazia muito calor naquela noite que fora anunciada a Celebração do Casal.
Finalmente, chegara o tão sonhado dia e prostada em frente ao espelho, ela começara a recordar o primeiro encontro que fora decisivo.
Aconteceu depois de inúmeras visitas, sem qualquer planejamento ou premeditação.
Seus pais estavam na vila e a tempestade impediu-os de voltar.
Havia algo familiar no olhar daquele moço que a punha em confusão de sentidos, porém ela negava-se a evidenciar seu interesse a quem quer que fosse.
Cumprimentou-o gentilmente convidando-o para entrar.
Sentiu-se acanhada, pois seus olhares se encontraram.
Seus dedos tocaram a sua nuca, lenta e carinhosamente.
-Minha adorável menina... disse ele.
Ela virou-se instantaneamente para ele e num instante estava em seus braços.
Sentaram-se numa namoradeira, bem juntos e ele ofereceu seus braços de maneira delicada e protetor.
Tinha certeza que estava apaixonado e não importaria se ela não estivesse, pois, ela a estimava-o e isto parecia o suficiente para pedi-la em casamento.
Ela olhou-o fixamente, observou seu rosto de traços forte e seu sorriso dava-lhe uma expressão a iluminar-lhe toda a face.
Beijou-a com força e apertou-a contra teu corpo.
Ela pensou agitada: - Se algo der errado, juro que desapareço!
E mesmo trêmula, deixou-se beijar, sentindo que esse beijo despertava-lhe grande emoção.
-Venha, disse ele, e olhando-a num demorado olhar, tomou-lhe as mãos, pois ela ficara petrificada.
Ele carregou-lhe, levando-a para seu quarto.
Quando ela o vira pela primeira vez, sentiu que já o conhecia antes mesmo de tê-lo visto e agora estavam juntos. Inclinou-se sobre ele e beijou-lhe seu rosto.
No extremo do cômodo, havia uma cama de solteiro, um guarda roupa, uma cômoda, um criado e uma mesa para estudo. Mobília de excelente bom gosto, adornado com sutilezas feminina.
-Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? - perguntou ela, instigando-o.
-Espero que este seja o nosso desejo e não o nosso segredo, respondeu ele.
Ela olhou-o espantada e abriu a boca para perguntar-lhe o que ele queria dizer com aquilo, mas ele colou seus lábios aos seus, enquanto suas mãos percorriam seu corpo.
Ela sentiu então uma onda de calor percorrendo seu corpo, esquecendo-se de tudo o mais, exceto o que estava acontecendo.
Ainda pensou:
-Se meus pais chegam agora, estamos mortos!
Apreciou, o espetacular momento de vê-lo quase nu. Não sabia exatamente o que fazer e deitou-se ao lado dele permitindo que sua boca encontrasse avidamente seus seios.
Depois censurou-o:
É melhor pararmos com isso, meus pais devem chegar a qualquer momento e depois, estou morrendo de medo que você não queira me ver mais, depois disso.
-Tolice!! -respondeu-lhe sorrindo. O sexo não afasta as pessoas, menina. Ao contrário, ele aproxima.
Admirou-se por sentir tanta ternura na voz daquele homem.
E foi assim que percebeu que ele falara a verdade, pois nunca sentira tão próxima de alguém. E apesar de parecer a mesma, tinha consciência de que havia mudado algo dentro de si, para sempre e eternamente.
Suspirou quando, sua Ba entrou em seu quarto com um travesseiro na mão, avisando-lhe que estava tudo pronto para a celebração.
-Só mais um monento, disse ela.
Olhando através da janela, observou que a majestosa lua espalhava tons vermelhos exalando naquele momento, o perfume de jasmim.
Havia muitas tochas acesas e muitas, muitas flores do campo dando um toque especial na decoração simples e delicada.
E na roda, perante os queridos amigos que cantarolavam alegremente, pôde sentir os olhos dele sobre os dela, cheios de afeto, aquecendo-a como se estivesse sob o sol, após um longo período de inverno.
E assim, despertou Perséfone, caso contrário, viveria o resto de sua vida, sonhando...


..."Confortai-me com flores, fortalecei-me com frutos, porque desfaleço de amor."